18 setembro 2011

deixar de estar

Um pulso partido pelos dias forçados. Esta é a história de um homem cuja vida caiu quando a cama deixou de estar feita.
A maçaneta da porta de entrada caíra mais cedo nesse dia. Sim, ja costume era cair e mais tarde ser arranjada. Estava cá fora e rapidamente reparou no sucedido. Pois, no alpendre, daqueles que se vê nas casas de campo com um pequeno portão quente, rústico, que chia com a abertura, lá estava a pequena maçaneta redonda, de cor térrea, rodando em círculos movimentada pelo vento.
Sacudia a manta quando, entretanto, reparou: Na maçaneta sim. Na solidão também.
Arrasta-se, lamuriando entristecidas canções daquele famoso dito tempo. Tempo de ser feliz, que passou, por todos os lados, rodeando-o daquilo que de bom há, talvez ao alcance de todos.
Não se dá por ele pensando em arrependimentos profundos, nem futilidades banais. Numa analogia de preto e branco, tradicional a sua vida foi, sem grandes preocupacoes ou familiares desilusoes, tirando as ocasionais perdas que nunca a vida evitou trazer. Perdas essas ocasionais, importantes, ultrapassáveis porém.
Os cães ladraram, a gata fugiu, os pássaros sussurraram quando a vizinha gritou. Gritou. Suplicou por piedade, chorou gritando. Soluçou, saboreando as suas próprias, dolorosas gotas, berrou lá de dentro, afligindo em socorros, ave marias e nossos senhores.
A maçaneta estava caída e em voltas envolta estava ainda. Sua vida em espiral se tornou quando, perto da sua cama desfeita, a vizinha que gritou de caras deu, com a sua pacata, protectora amiga, incontrolávelmente quieta, pacífica, desmaiada talvez... Certamente horrorizado, ultrapassada a maçaneta, dentro, imóvel, especado em sua casa, tranquilo homem deixou de ser e lágrimas verteram numa emoção para a qual a vida nunca preparou. A manta que estendida ficara, caiu. A maçaneta tocada não precisaria de ser para que novamente perdesse o seu lugar, o vento dela conta tomou uma última e derradeira vez, pois daquela casa ninguém mais saiu, ninguém mais foi dono, que o vento que por ela entrou.

15 setembro 2011

aquele tecto vai cair.

Aquele tecto vai cair. A luz vai aparecer de manha.
Vai se ver o tecto caido nele que, coberto, sonhou ao som da ventoinha lenta e enferrujada, sem uma unica vez despertar. O medo é-lhe sombra sem rasto; a claridade, assertiva irmã.
Caminhante pesaroso, tropeça, cai a mínimo desvio.
Insípida a noção de si próprio faz dele sério desinteresse.
Infantilmente possuído pelo prometido e desejado, sua ternura paira agora desintegrada por rasgada ter sido com o embate sofrido nas escuras horas que antecederam a queda premiditada daquele tecto.
De pouca pretensão é o seu espírito imbuído na emoção que se alastra como de costume pelo seu corpo. O seu sono é observado por protecção, as suas pálpebras inquietas a imaginação despertam de quem tanto tem para descobrir ainda daquele ameno corpo adormecido. Por tenra intuição os delineados olhos não desviam a sua atenção e decidem-se no seu peito deitado encostar.
Este tecto vai cair, pensou, torneando o umbigo amado com o seu indicador, como que procurando caminhos para o interior daquele corpo deitado em baixo de si. A luz presenteou-se e no seu peito inanimado espreitavam, sob os escombros, os olhos mais belos que alguma vez se aproximaram do sério desinteresse, desprovidos de qualquer vida, em cima do seu corpo, repousavam com o maior respeito.

11 setembro 2011

o som esteve muito quieto hoje.

O som esteve muito quieto hoje, demarcou uma mudança; de calor; de presenca; correntes e luas preencheram marés e os nós dos meus dedos parecem mais carregados, mais envelhecidos, queimados do sol e secos do sal.
O som pareceu quieto hoje mas a porta estava, ou devo dizer, continuava aberta.. creio que vento é a resposta para a desordem desta casa que vês e para a porta aberta que nunca terá estado cerrada.
Os vidros estavam partidos mas espalhados não estariam anteriormente, antes do vento e da porta aberta. A sombra está diferente e não o digo sabendo de que horas se tratam, diferente está ou eu a vejo com diferentes olhos. Tive medo da sombra, tive medo dos olhos que certa vez me olharam na penumbra. Olhos esses, que trazidos pelo vento e agora depositados na desordem visível estão espalhados pelos vidros, espelhados naquela sombra.
Pisei o vidro, não me cortei, fechei a porta mas não a cerrei, faltou a chave que procurei sem encontrar, libertei o meu interesse por ela em troca de palavras que não tive de escrever pois já bem o tinham feito antes de mim, antes do vento que naquela tarde me abriu a porta e me desordenou espalhados, os vidros no chao.
A cama range por pena de quem nela se deitou e não por de antiga se tratar. Ela conhece corpos, tem deveras saber de passado calor e talvez ranja por isso. Pena dos odores que nela se deitaram e ousaram serenamente cerrar olhos, para talvez sonhar.
Ousei alto degrau a alto degrau subir e escalar, porém chegar ao seguinte patamar não me fez sorrir. Lá eu senti o vento e lá já breu o céu estava sem eu ter tido tempo de sentir os pássaros sobrevoar a entrada do quintal. Tempestade no mar, gaivotas em terra. Dizem, dizem eles e elas que, sentados as portas, vêem passar os pobres de coração, de sonhos descozidos. Destes são os olhos que me foram trazidos pelo vento, esse diabo de vento descansar não deixou. Apenas me mostrou esses olhos espelhados na sombra lá de cima, da noite chegada, espalhados nos vidros desordenados e caídos.
Soava velha a valsa que o vento ressoou, soavaml longe as reminiscências do passado cravado, mal tratado. A valsa de disputas, a valsa vivida por inocências desaprendidas, perdidas, caídas, levadas por esse diabo de vento que recorda os olhares temerosos do futuro, que nos vidros partidos desordenados se presenteia a quem os estiver disposto a observar.